Coisas que sabemos sem saber
Enquanto uma amiga se revirava de dor no ventre, prontamente me levantei, pus água para ferver na cozinha e separei algumas folhas que fui encontrando. A prontidão com que conduzi a sequência de atos me fez recostar por uns segundos na parede ao lado do fogo, enquanto a água não fervia, e tentar recordar o momento exato em que meu juízo deu por certo que folha de louro e noz moscada são bons para padecimentos digestivos. Desses pensamentos miúdos que vêm sem controle mas que se encorpam a ponto de escurecer as vistas para o que quer que estivesse no tino segundos antes.
Sequências de visões, sons, corpos e cheiros foram invadindo a cabeça em um ritmo de sonho, daqueles em que você nasce cresce ama e morre em uma fração de tempo ínfima, que nem Deus, na criação de todas as coisas, foi capaz de tomar.
Até hoje, a qualquer sinal de incômodo meu, minha vó prepara um chá de quioiô — folha cujo nome científico pouco importa mas que sempre existiu no nosso quintal. Banhos, rezas, folhas na água quente.
Me lembro de perguntar, criança, quem descobriu que essas coisas servem para as coisas que a gente sabe que servem. Minha vó aprendeu com a mãe que aprendeu com a vó que ensinou a minha mãe. São sementes e sabedorias deixadas de herança por aquelas que vieram antes de nós. Patrimônio imaterial — esse bem inestimável daquelas que não puderam guardar nada além das memórias dos corpos que cuidavam e curavam. Corpos suados de um trabalho sem fim, o trabalho da sustentação do mundo.
Agora que a água começava a borbulhar, deixei cair as folhas pelas minhas minhas mãos, carregadas por aquelas que prepararam meus terrenos e irrigam minhas veias. Cinco minutos abafados no pano de prato selam a comunhão e preparam o remédio. Às vezes sei de onde vêm as coisas que eu nem sabia saber.