O que muda no tempo é o espaço

Letícia Moreira
2 min readMar 31, 2022

Me enganei ao pensar que quando eu crescesse, o que mudaria em mim seriam meus seios, meus ossos — que se alargariam para eu caber no meu novo corpo adulto — e meu sangue, que escorreria todo mês por entre as pernas, com um misterioso incômodo até então desconhecido. Porém, depois de os ossos esticarem minha pele, dos cabelos mudarem de cor e de forma, dos rios correrem com a lua e dos desejos atravessarem a carne em modulações mutantes, o que mais permanece uma incógnita, uma metamorfose que é às vezes intangível mas sempre volúvel, é o meu desenho do mundo, a arquitetura que elaboro para caminhar, enxergar e construir as estradas e as salas que rodeiam meus centros. O tamanho das coisas como as vejo, que não sei se é como elas são. Ora as vejo de cima, ora de baixo, muitas vezes pequenas e quase sempre grandes demais. Tão grandes que meu corpo agora adulto parece ainda um corpo infantil que tateia os caminhos, engatinhando por entre a vida, inseguro e incerto, porém firme. Firme como um bebê que agarra um objeto arriscado ou um bicho peçonhento, desconhecido e importuno, e mesmo assim não o solta.

A incerteza não é sinônimo de fraqueza, ao menos não para o bebê curioso. Essas transmutações dimensionais dos espaços — e de mim neles — são como mapas dinâmicos que flutuam numa tela imaginária, mudando as coisas de lugar e deslocando os sentidos e o tato, as fronteiras, as bordas, o ritmo da dança e os alcances da vista. Mapas incertos, passos oscilantes. No fundo e no fim, nada é preciso. O tempo se encarrega de mudar as formas e nós nos encarregamos de (re)dimensioná-las. É o ciclo espiralar do existir.

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Letícia Moreira

em algum lugar, a qualquer momento, a gente se encontra, só pra se perder de novo. Insta: @lettiemoreira e @maisquesetimarte